segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

JE SUIS CHARLIE

“A Humanidade não deu certo”.


Esta frase não é minha e nem foi criada num momento de revolta social.
Na verdade foi um desabafo em resposta a uma desilusão amorosa, mas uma resposta tão abrangente, tão contundente que se extrapolada para outras esferas do relacionamento interpessoal podemos dizer que se encaixa em uma gama infinita de situações.


A humanidade caminha sempre para frente. Teoricamente.
A cada dia somos surpreendidos por milhares de facilidades cibernéticas e avanços tecnológicos que abrem caminhos para uma acessibilidade evolutiva a  velocidades estonteantes. Inventamos coisas, às vezes com bons propósitos, outras inutilmente.
Podemos de modo grosseiro medir o avanço científico da humanidade ao tentar imaginar como viveríamos há apenas algumas décadas. Este pensamento aliás está esculpido no imaginário coletivo, com contos e prosas amplamente esgarçados à respeito. É tão comum quanto imaginar um homem da Idade Média teletransportado aos tempos atuais. É divertido por ser tão impactante.


Durante milhares de anos o Homem tenta evoluir cientificamente, socialmente, culturalmente, e durante todos estes anos a História mostrou que a humanidade é de natureza cruel. A crueldade está inserida, talvez geneticamente na raça humana. É provável que seja fruto do fato espetacular que faz com que o Homem pense. O diferencial é justamente este: o Homem pensa. O contra senso está no fato de a mesma inteligência que faz da crueldade uma característica intrínseca ser também a nossa única esperança de paz.


O Homem usa a crueldade tentando propósitos de convivência em bando, como observamos em outros animais: ser líder, ter comida, ter poder. A diferença é que os seres humanos usam a ganância como base de sustentabilidade de uma sociedade que sem pilares sólidos só tende a desmoronar. O poder vem naturalmente para aqueles que são respeitados, mas o Homem que é cruel consegue desenvolver todo um maquinário para chegar aos fins não importando os meios. Isto é bem conhecido.
O respeito então acontece, mas estabilizado de forma balouçante sobre bases pífias. Não se respeita este homem pelo que ele é como ser humano íntegro e pensante, mas sim pelo que ele capaz de fazer com quem não respeitá-lo. Sem bases fortes, uma brisa soprada de viés pode ser o fim de uma grande empreitada.
Grandes sociedades com valores trocados desapareceram sem deixar vestígios ao longo da História


Ocorre que abaixo das lutas pelo poder existe toda uma sociedade a qual não se pode generalizar. E esta sociedade crê…


E as crenças são muitas, seguindo a imensa diversidade cultural planetária. Sem a troca de idéias motivada pelas diferentes formas de pensamento, o colorido da vida nem existiria, seria um tédio sem fim. Então diferimos em tudo, mas principalmente no modo de crer, e ainda assim - olha que interessante - fazemos parte do mesmo bando. Vivemos em bandos extratificados e continuamos sendo da mesma espécie.


Apesar de todo o desenvolvimento e de todo o avanço que se ergue com a evolução das sociedades, os instintos primitivos permanecem. Assim, na eterna luta desenfreada pelo poder, a manipulação dos que crêem já é um fato amplamente conhecido se revisarmos a história da humanidade. O uso indevido de interpretações deturpadas de ensinamentos ancestrais é quase que uma fórmula certa, o “segredo” para encurtar o caminho entre tomar o poder manipular as massas.
Ao longo História, várias crenças foram extenuantemente doutrinadas, sendo seus escritos muito bem documentados com detalhes de cultos e tradições. Muitas religiões pregavam matanças de semelhantes ou de animais e vários rituais foram seguidos e respeitados por nossos ancestrais porque assim era o certo. As condenações à morte por crenças religiosas já foram parte integrante de nossa evolução. As leis eram escritas em livros religiosos e seguidas à risca por fiéis, matando ou mutilando inocentes. Verdadeiras barbaridades já foram cometidas em nome da fé, desde os tempos em que se conhece História.
Os romanos por exemplo matavam as crianças e martirizavam os que hoje são considerados santos. Os reis católicos da Espanha expulsaram milhares de judeus de seus territórios e usaram desculpas religiosas caprichosamente escritas em verdadeiros editais para massacrar de forma injusta e covarde milhares de pessoas. Os judeus usavam o sacrifício animal em tempos antigos como ritual religioso devidamente regrado por seus livros sagrados.
Aí, evoluímos… não todos nós, é claro.
Construímos pontes, fizemos estradas, melhoramos a saúde, criamos a tecnologia e… pensamos. A grande maioria aboliu de suas crenças a necessidade de atos bárbaros para a purificação do espírito. Atualizamos os livros sagrados. Ficamos mais humanos. Entendemos que o certo de uma época pode não caber nos tempos atuais, e aprendemos a resolver nossos problemas com um misto de passado e futuro. Não desprezamos as leis romanas, mas também não queimamos mais ninguém nas fogueiras, nem patrocinamos espetáculos em que homens são devorados por feras ou lutam entre si até a morte com requintes de crueldade e violência gratuita.


Temos o cinema para suprir estas cotas necessárias de violência da humanidade.
Não fazemos mas ainda nos divertimos com isso.


Ainda há a luta pelo poder. E não há nada melhor para o poder que a manipulação das massas. E para manipular as massas não há nada mais rápido e eficiente do que a finalidade religiosa.
Graças ao apelo religioso fanático e errôneo, conseguimos distinguir nos dias de hoje várias aberrações. Há os que insistem em viver como em séculos passados, sem respeitar  idéias pacíficas alheias; os que de forma pacífica ou não, pregam e arrebanham exércitos de seguidores; os que desligam as luzes nos fins de semana e fazem isso na casa de pessoas comuns, obrigando-as a seguir um ritual maluco;  os que saem do banheiro rezando porque o cocô saiu corretamente do orifício anal; os que usam os avanços tecnológicos durante a semana mas que em determinadas situações agem como animais perante a sociedade laica. Há milhares de exemlos: os que tem internet e Facebook, mas mandam suas mulheres cobrirem seus corpos dos pés à cabeça, mulheres estas que usam por baixo do pano roupas e sapatos de preços indescritíveis; os que em pequenos vilarejos dentro de cidades desenvolvidas ainda usam luz de velas e se locomovem em charretes; pessoas que pregam o não recebimento de sangue alheio mas que diante da morte fazem cair por terra as suas crenças e se agarram ao desenvolvimento da ciência...


Existe uma diferença muito grande em viver dentro de uma comunidade fechada que segue certas regras e viver tentando impor estas regras para o mundo que cerca aquela comunidade.
O fanatismo em qualquer esfera deve ser veementemente combatido. Desde a sua raiz pacífica até quando se transforma em guerra.
As pessoas são diferentes e esse é o grande sabor da convivência. É o que nos tira do tédio. E o respeito às diferenças é o que dá cor à convivência dentro de uma sociedade.


Considero que estas pessoas que vivem em retrocesso estão prestando um enorme deserviço à humanidade. A evolução está aí para ser saboreada e não para ser combatida. Temos leis para a convivência pacífica e que fazem na grande maioria das vezes prevalecer o bom senso. Em uma sociedade laica, ser fanático é um absurdo sem tamanho. É um desrespeito ao avanço sócio-cultural e tecnológico que tentamos por anos conquistar além de, é claro, ser uma tremenda hipocrisia pois os líderes destes movimentos estão completamente munidos de tecnologia e aplicando leis ancestrais com interpretações deturpadas para reger suas pobres e ignorantes comunidades.


Existem lugares fechados onde se pode seguir determinados padrões religiosos e viver de forma medieval. E isso vale para todos os tipos de religião. O mundo é um lugar tão democrático e evoluído que até faz com que nestes lugares os fanáticos tenham o seus lugares ao sol. Se alguém deseja ter sua vida regida por extremistas radicais, poderá viver feliz num lugar assim.
É a imposição de idéias para um todo global que deve ser repudiada. O Homem é livre para aderir ou deixar uma causa. É livre para se mudar e para decidir se quer ou não seguir rezando de determinada maneira estereotipada.


Os livros religiosos em sua maioria e durante a história da humanidade pregaram violência em suas diversas formas e graus. Só que as religiões se modernizaram e apesar de não conseguirmos mudar o que foi escrito há milhares de anos, conseguimos nos tempos atuais, interpretar de forma proativa os ensinamentos antigos. Da mesma forma que usamos ainda hoje princípios das leis romanas, não colocamos ninguém na jaula dos leões do Jardim Zoológico para ser devorado na frente do grande e respeitável público.


Portanto insisto. Numa sociedade laica, o combate ao fanatismo com suas pregações pragmáticas e tendenciosas, exercido por uma minoria ruim, é o ponto de partida para o respeito e a convivência pacífica. Fanáticos existem em todas os credos e interpretam da mesma forma idiota o que foi escrito há milhares de anos.
Generalizar uma determinada religião ou etnia só porque dela saem fanáticos violentos, é ser radical também. Temos fanáticos em todas as esferas do comprotamento religioso e que sáo igualmente pessoas ruins.
As interpretações devem ser trazidas à luz da evolução.
O fanatismo leva em conta apenas uma hipocrisia sem tamanho de não enxergar seletivamente que o mundo evoluiu. Seletivamente sim, porque os mandatários do poder se utilizam com frequência de toda a evolução científica e tecnológica disponível ao seu alcance. Tudo pelo poder.
E o poder não quer saber de religião. Quer saber de mandar. O mote religioso é só uma forma de controle rápido para mobilizar as massas.
E por mais que estejamos vendo isso, é difícil fazer com que todos enxerguem que esta violência toda não tem nenhum deus no meio… o que há é uma luta desenfreada por territórios, por poder e pelo prazer do uso da força como caminho mais curto, respaldado por religião - outro caminho encurtado.


Esta semana faz um mês de um dos atos mais bárbaros cometidos contra uma nação laica por extremistas radicais, fanáticos e “religiosos”.
Muito foi dito, pouco foi feito, e eu chego quase à conclusão de que é praticamente impossível deseducar uma população submetida ao fanatismo religioso, político ou qualquer que seja a sua fonte.
Os cortes na educação de um povo como vemos amplamente disseminados em nosso próprio país, são o ponto de partida para a manipulação das massas. Junte-se a isso a pregação religiosa tendenciosa e fanática e teremos então uma grande catástrofe social.
Não estou falando nenhuma novidade.
Só deixo aqui a minha indignação pelo rumo que a humanidade está tomando. Pelo choque de diferenças entre a evolução e o fanatismo arcaico usado de maneira tão vil, tão em ascenção ultimamente.


E a última pergunta: se Deus, nem Alah, nem nenhuma outra divindade estabeleceu regras a respeito do uso da internet, como saberemos que o Facebook não é pecado?
E se for?!

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