quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

FINAL DE EXPEDIENTE

Outro dia desses eu cheguei tarde ao trabalho. Com horários flexíveis, cheguei perto do horário de encerramento das atividades num local público onde realizo uma função administrativa. 
Quase todos já haviam ido embora com exceção de alguns funcionários da limpeza e do atendimento.
Entrei para fazer meu trabalho e deixei a porta aberta para que todos me vissem dentro da minha sala e não trancassem o lugar comigo dentro. 
Era uma sexta-feira meio chuvosa, mas no final do expediente, o clima entre os que ainda estavam por lá era de completa euforia. 
Enquanto eu trabalhava em meus relatórios a gritaria beirava o insuportável. Este ambiente em que trabalho fica lotado e é normal as pessoas falarem um pouco mais alto para serem ouvidas - sabe repartição pública? Mas àquela hora, com tudo vazio, apenas os poucos funcionários se preparando para deixar o trabalho... os caras gritavam para se comunicarem de uma forma romanesca. Sabe mulher quando quer dar? Ou aquele bando de galinha assustada que tenta sair tudo junto de uma só vez pela portinhola aberta do galinheiro? Era mais ou menos por aí.
E eram risadas altas, firulas sobre namorados ou  conversas sobre o ônibus que já ia chegar e a feijoada com pagode programada para o sábado com a criançada na casa da sogra. 
Cara, e eu tentando me concentrar nos relatórios.
Pior é que não podia nem fechar a porta porque perigava ser esquecida lá dentro e ter de passar meu fim de semana presa na repartição.
De repente, se inicia uma cantoria. 
Chegou um cara no pedaço e começou junto com uma das faxineiras a cantar umas músicas falando do cotidiano das favelas, amores não correspondidos e afins, que eu nunca tinha ouvido na minha vida! E eles cantavam em altos berros, estupidamente desafinados, até que o cara puxou uma música H O R R O R O S A que a moça não conseguiu acompanhar alegando que era uma canção muito antiga. Mas pediu para que ele cantasse até o fim por que era liiinnddaaaa e ela adoraaava essa música! E imediatamente engrenaram mais umas 20 músicas do naipe das anteriores, sem dar trégua por um minuto sequer.
Cara, e eu fazendo meus relatórios...
Nisso eu notei que a gritaria das conversações começou a diminuir. E passou de SABE AQUELA VASsoura... para um burburinho em letras minúsculas. Eles continuavam a gritar para se comunicar, mas agora na rua, o que não me incomodava tanto. As pessoas foram saindo e tomando seus rumos com exceção do casal de cantores que ainda tinha muito repertório para gastar antes de pegar o busão.
E eu estava milagrosamente quase terminando meus relatórios quando ouvi um "Ô Maria das Neves! Cê não quer dar uma esticada pro Karanhokê hoje não?".
Cara, eu sei que é um nome relativamente comum, mas por que cazzo alguém aqui no Brasil dá um nome desses para a própria filha? Por que??? A mulher nunca viu um floco de neve, canta pagode e funk tudo desafinado, nem sabe o que diz e é conhecida como a Senhora dos Invernos! A toda poderosa Maria das Neves!
Fiquei tão absorta na divagação do nome de rainha da nossa cantora que o Karanhokê quase me passou despercebido.

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