segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O TÉDIO


O tédio é sólido.
Espalha-se pela casa,
Bloqueia os caminhos.
Me faz imóvel no calor escaldante.
Aguardo a noite,
Para amainar a quentura deste dia insano.
E aí, somente aí renascerei.
E o dia de hoje será completamente vivido... 
À noite!

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

NOSSA NOITE DE NATAL

Este ano foi bom e ano que vem vai ser melhor ainda.
Acredito nisso e entro imediatamente em contradição, pois mantenho a minha posição quanto ao que penso sobre a virada do ano (http://depoiseagora.blogspot.com.br/2014/11/o-final-do-ano.html). 
Ainda acho que é só uma noite onde fazemos festa para dar continuidade à vida que já está rolando a plenos pulmões. E nesse caso a festa poderia inclusive ser feita em qualquer outro dia do ano… mas existe uma tradição e eu respeito isso.


Ontem, véspera de Natal, fui com a minha mãe ao supermercado fazer compras para o jantar. E só para esclarecer, sim nós fazemos um belo jantar na noite de Natal. Com todos os estabelecimentos comerciais da cidade fechados, temos por hábito há muitos anos reunir a família e mandar ver na comida, na bebida e na sobremesa. Desde que me conheço por gente.
Quando eu era pequena me lembro que ao soarem as badaladas do relógio à meia noite ainda estávamos comendo quando a nossa vizinha, a dona Maria Teresa, saia para o seu quintal que era colado ao nosso e gritava "É Natal, é Natal!!” e “Ele nasceu!” "Ele nasceu!" e ainda “É Natal!" de novo.
Eu e minhas irmãs éramos crianças e corríamos para a janela assim que a gritaria começava, mas nunca conseguimos entender direito que porra era aquela que tinha nascido no quintal da Maria Teresa, e que renascia todos os anos sempre no mesmo lugar e na mesma hora. Com todo o respeito.
Passamos anos ouvindo a gritaria histérica na casa do vizinho todo dia de Natal, meia noite em ponto!
Até chegar a moda dos fogos de artifício que acabaram por abafar a histeria no jardim dos nossos vizinhos. E infelizmente não dava mais para ouvir a Maria Teresa. Uma pena... porque o nosso jantar terminava ritualmente com a gente na janela tentando descobrir - inclusive fazendo apostas! - sobre que espécie de alienígena havia invadido o jardim da Maria Teresa que fazia ela gritar daquele jeito. Em casa só se gritava assim quando a barata era voadora. Uma vez até perguntamos para a filha da Maria Teresa se eles tinham medo de baratas e, quando ela me respondeu que não, criou-se imediatamente uma lacuna eterna preenchida por milhares de divagações e pensamentos soltos com possibilidades de invasores recém natos das mais diversas estirpes, que chegavam sempre depois da comida, provavelmente já jantados, na meia noite do dia do Natal. Até aventamos hipóteses para essa coisa de geração espontânea aparecer sempre depois que a comida acabava, o que era difícil de entender porque a Maria Teresa cozinhava super bem. Se fosse eu, ia nascer no início do jantar e não no fim. O fato é que tudo isso sempre acontecia só no jardim da Maria Teresa, nunca no nosso. Nunca realmente conseguimos ver, muito menos fotografar isso que nascia lá...


Mas o que eu queria dizer é que ontem no supermercado, fazendo o estoque para o nosso jantar, tive aquela sensação que me invade nos finais de ano fazendo a minha metade racional parar de funcionar.
Vi aquelas pessoas todas comprando, muitas delas alegres, outras apressadas, criando um clima de expectativas, como se alguma coisa muito grande estivesse para acontecer.
Agora eu sei que não vai acontecer nada, nem ninguém vai nascer no jardim da Maria Teresa, mas a sensação era boa, de renovação, de felicidade, sei lá.
Voltamos para casa, cozinhamos a comida que compramos, nos divertimos em família, ouvimos fogos de artifício à meia noite mas ninguém gritou, o que me fez refletir... por onde cazzo andará a Maria Teresa?

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

FINAL DE EXPEDIENTE

Outro dia desses eu cheguei tarde ao trabalho. Com horários flexíveis, cheguei perto do horário de encerramento das atividades num local público onde realizo uma função administrativa. 
Quase todos já haviam ido embora com exceção de alguns funcionários da limpeza e do atendimento.
Entrei para fazer meu trabalho e deixei a porta aberta para que todos me vissem dentro da minha sala e não trancassem o lugar comigo dentro. 
Era uma sexta-feira meio chuvosa, mas no final do expediente, o clima entre os que ainda estavam por lá era de completa euforia. 
Enquanto eu trabalhava em meus relatórios a gritaria beirava o insuportável. Este ambiente em que trabalho fica lotado e é normal as pessoas falarem um pouco mais alto para serem ouvidas - sabe repartição pública? Mas àquela hora, com tudo vazio, apenas os poucos funcionários se preparando para deixar o trabalho... os caras gritavam para se comunicarem de uma forma romanesca. Sabe mulher quando quer dar? Ou aquele bando de galinha assustada que tenta sair tudo junto de uma só vez pela portinhola aberta do galinheiro? Era mais ou menos por aí.
E eram risadas altas, firulas sobre namorados ou  conversas sobre o ônibus que já ia chegar e a feijoada com pagode programada para o sábado com a criançada na casa da sogra. 
Cara, e eu tentando me concentrar nos relatórios.
Pior é que não podia nem fechar a porta porque perigava ser esquecida lá dentro e ter de passar meu fim de semana presa na repartição.
De repente, se inicia uma cantoria. 
Chegou um cara no pedaço e começou junto com uma das faxineiras a cantar umas músicas falando do cotidiano das favelas, amores não correspondidos e afins, que eu nunca tinha ouvido na minha vida! E eles cantavam em altos berros, estupidamente desafinados, até que o cara puxou uma música H O R R O R O S A que a moça não conseguiu acompanhar alegando que era uma canção muito antiga. Mas pediu para que ele cantasse até o fim por que era liiinnddaaaa e ela adoraaava essa música! E imediatamente engrenaram mais umas 20 músicas do naipe das anteriores, sem dar trégua por um minuto sequer.
Cara, e eu fazendo meus relatórios...
Nisso eu notei que a gritaria das conversações começou a diminuir. E passou de SABE AQUELA VASsoura... para um burburinho em letras minúsculas. Eles continuavam a gritar para se comunicar, mas agora na rua, o que não me incomodava tanto. As pessoas foram saindo e tomando seus rumos com exceção do casal de cantores que ainda tinha muito repertório para gastar antes de pegar o busão.
E eu estava milagrosamente quase terminando meus relatórios quando ouvi um "Ô Maria das Neves! Cê não quer dar uma esticada pro Karanhokê hoje não?".
Cara, eu sei que é um nome relativamente comum, mas por que cazzo alguém aqui no Brasil dá um nome desses para a própria filha? Por que??? A mulher nunca viu um floco de neve, canta pagode e funk tudo desafinado, nem sabe o que diz e é conhecida como a Senhora dos Invernos! A toda poderosa Maria das Neves!
Fiquei tão absorta na divagação do nome de rainha da nossa cantora que o Karanhokê quase me passou despercebido.

UM DIA COM AS CRIANÇAS

Hoje passei o dia com meus sobrinhos.
Vim dormir na casa da minha mãe pois estou de férias assim como eles, que vieram também e pelo mesmo motivo.
Ontem mesmo já fomos dormir tarde. Ficamos assistindo filmes, tanto de adulto como de crianças, rimos, brincamos e finalmente elaboramos uma lista de coisas a serem realizadas - todas elas - hoje.
Conforme combinado ontem a noite, a minha sobrinha de 6 anos, que sempre acorda mais cedo que todos, iria me acordar de manhã bem cedinho para darmos início então aos trabalhos.
E assim, tal qual como o combinado, de manhã bem cedo eu e a Julia minha cachorra, fomos acordadas aos gritos de "Tia Né", que sou eu mesma, "acorda! " "vai ficar tarde e o shopping vai ficar lotado!". A primeira tarefa da nossa lista era ir ao shopping.
Olhei para a Julia, as duas olhamos para a Teté, minha sobrinha e preguiçosamente começamos a nos levantar já imaginando o longo dia que teríamos pela frente.
Abri a janela, puta chuva! Ótimo. Vamos passear em locais fechados e práticos com garagem e estacionamento cobertos. Adoro.
E enquanto eu escovava os dentes minha sobrinha muito solicitamente aproveitou para levar a Julia ao banheiro.
Fui para a cozinha tomar um café...
Sabe aquele cheiro de cachorro molhado? E sabe o que é você entrar na cozinha para tomar o seu café da manhã e suas narinas serem invadidas por cachorro molhado misturado com pão queimado na torradeira?...
Corremos, eu e a Teté, as únicas acordadas,  com uma toalha e após uns minutos de tensão conseguimos agarrar e enxugar a Juju.
Lavamos então as vasilhas dos cachorros, enchemos de comida e água e finalmente consegui me sentar para tomar um gole de café, com cheirinho de cachorro molhado. Uma delícia.
Bom, o café estava na metade e eu já havia checado as listas de tarefas dos meus dois sobrinhos, agora já devidamente acordados e vestidos, prontos para a nossa jornada.
Quase no fim do meu sagrado café... deu pau. Um bateu no outro por não concordar com as tarefas dispostas programadas. Corri para separar e retive as listas. Agora seria do meu jeito.
Consegui restabelecer a paz, me arrumei e saímos. Fomos ao shopping ouvindo Renaissance. Eles adoraram! A fila do estacionamento virava duas esquinas para fora do estabelecimento. Mas tudo bem, estamos todos de férias e afinal de contas no rádio do carro estava tocando Renaissance!
Bom, depois de meia hora na fila, entramos. A cantoria do Renaissance segurando bem a turminha. Estava divertido.
Trocamos alguns presentes, comemos brigadeiros, shopping lotaaado... passeamos até nos cansarmos. Por "nos cansarmos" entenda-se, eu e a minha irmã que também estava participando da empreitada.
Meus sobrinhos andaram, correram, pularam, comeram doces com as mãos e promoveram uma sensacional luta de espadas com garrafas pet numa renomada loja de sapatos.
Fora uma marca - bem pequena! - na testa da vendedora da loja de calçados, deixamos o shopping sem maiores queixas de outros seres humanos.
Sabe como é shopping em véspera de Natal né? Uma loucura mesmo.
Fomos ainda a uma livraria de rua onde eu tinha que trocar um livro que ganhei de presente. Livro trocado, fomos comer. Comida de verdade num restaurante por kilo.
Alguém já teve esta experiência esotérica? Levar duas crianças num restaurante por kilo?
Fizemos nossos pratos, pesamos e comemos! Muito!
Foi nessa hora que aconteceu. Posso afirmar com a mais absoluta propriedade que a partir do almoço no kilo, parei de sentir dor. Nem dor, nem frio, nem calor, nem fome, nada! Fiquei anestesiada, sensação que durou até algumas horas depois do jantar.
Voltamos para casa ainda cantando Renaissance mas agora tremendamente convictas (eu e minha irmã) de que o grupo musical todo havia morrido num acidente aéreo.
Chegamos em casa!
Desistimos do cabeleireiro apesar de minha sobrinha insistir em dizer que precisava muito fazer as mãos e cortar a franja. Afinal estava na lista! Deixamos para amanhã.
Consegui trocar de roupa e mal me encosto no sofá para checar meus emails quando ouço um "tô com fome!". Esbugalhei os olhos, me virei para meu sobrinho mais velho que também estava atônito e apuramos os ouvidos. E ouvimos de novo o "tô com fome" da pequena de 6 anos. 
Carái véi.
Vou te falar só uma coisa: eu não estava sentindo mais nada!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

ESCREVER, COZINHAR E CANTAR

Escrever...
Cada um tem a sua opinião do que realmente vale a pena nesta vida. E assim, para que não se passe da posição de um ser que é faixa preta para um indivíduo que toma tarja preta, fazemos valer de nossas opiniões tentando melhorar sempre.
Comecei escrevendo.
Na verdade sempre escrevi. Limpando minhas gavetas achei crônicas antigas, que escrevi ainda na escola e com vergonha de fazer vir a público engavetei.
O que eu não sabia nesta época é que para se esconder um texto não há nada melhor do que colocá-lo a público... muito difícil que alguém leia e quando isso acontece também é difícil que alguém leia até o fim.
Mesmo assim insisto. Porque escrevo para mim. Porque escrever é gostoso, um desabafo. E porque algumas pessoas se interessam e isso me deixa feliz.
Então me empenho, tento melhorar, e escrever me provoca - eu acho - o mesmo prazer dos palestrantes do Hyde Park. Eles falam para eles. E é o que eu faço porque me dá prazer.


Cozinhar...
Alguns anos depois de inaugurar o meu blog me interessei pela manufatura da comida. Plantas, cheiros, massas, carnes, peixes, grãos e a multiplicidade de suas formas de preparo. Fascinante.
Passei muitos anos da minha vida experimentando e descobrindo sabores e olores, mas há algum tempo comecei a me interessar pela preparação. Pelos temperos e suas combinações com os diversos ingredientes. E a simples idéia de que a sua cozinha é um grande laboratório, igual àqueles que a gente brincava quando criança, misturando líquidos que mudavam de cor, é muito interessante!
Então ir ao supermercado para mim adquiriu um novo significado. Compro coisas que nunca tinha ouvido falar e experimento diversas combinações às vezes com embasamento de uma receita escrita por algum maluco que já fez aquilo, outras vezes à mão livre. Seguindo minhas próprias intuições.
No início da minha saga culinária até criei a receita do 4. Em um grande recipiente eu colocava 4 medidas de tudo o que havia disponível na geladeira. Uma receita dinâmica, nunca tinha o mesmo gosto, era sempre surpreendente. Só parei porque o meu trato gastro-intestinal reclamou muito e pediu de joelhos para não comer mais aquilo…
Apesar dos contratempos, é surpreendente o número de vezes em que crio gostos perfeitamente comestíveis e por que não admitir, muito bons.
Cozinho também para mim, mas ao contrário de escrever, percebo que a receptividade a esta atividade de forno e fogão é muito maior. As pessoas gostam de ter experiências gastronômicas e eu adoro cozinhar para os meus amigos porque isso me traz um enfoque muito mais social, fazendo com que eu tenha uma sensação completamente diferente da que tenho quando escrevo. E é igualmente bom!
Aparelhar o meu laboratório gastronômico então virou um pequeno hobby. Minha cozinha é pequena e o meu maior desafio é torná-la funcional. Fico planejando por dias antes de adquirir um novo aparato e geralmente uso muito tudo o que compro. É demais esse lance de planejar e usar e ver como todo o seu pequeno investimento é tão funcional.
Todo mundo devia experimentar fazer isso um dia.


Por fim cantar...
Sempre cantei. Mas assim como fazia quando escrevia, me escondia. Tinha vergonha da minha voz pequena, rouca, grave. Cantava para dentro de mim ou para quem quisesse ouvir quando estava no banho.
Um dia perdi a vergonha. Descobri que a minha voz é bonita. Que canto bem e que tem gente que gosta de me ouvir.
É um misto das sensações que tenho ao escrever (para mim) e cozinhar (para os outros). Considero um arremate.
Então eu canto, canto sempre, canto sem medo... tá, às vezes ainda dá medo.
Mas isso me deixa feliz!